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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Capítulo I

Conseguir uma única refeição decente por dia, se você dispõe apenas de algumas armas de caça rudimentares já não era o que se pode chamar de uma tarefa fácil, quanto mais ainda se o seu local de busca é uma geleira dos Alpes Otztal, um lugar perdido entre as fronteiras do que viria a ser Áustria e a Itália, e o campo de caça estivesse soterrado por uma larga camada de neve formada no extremamente rigoroso inverno de 5000 luas atrás. Se a escalada daqueles montes íngremes já era uma tarefa cansativa, a neve fofa e o frio inclemente só vinham a tornar tudo mais exaustivo para quem andava há dias só comendo musgo.
Dizer que as armas eram rudimentares é mostrar hoje falta de respeito ao esforço tecnológico que permitiu que evoluíssemos como espécie. Na verdade as armas eram até bem concebidas e executadas para sua época. O arsenal pessoal consistia de um machado de cobre, feito com uma lâmina de cobre com ranhuras pela qual se passava uma alça que era atada a um cabo de madeira ou então trazia um furo por onde se introduzia um pedaço de pau que funcionava como um cabo. Traziam ainda um punhal de sílex com cabo de madeira resistente e um arco feito com a melhor madeira que se conhece até hoje para esse fim. Nas costas portava uma aljava de pele onde cabiam 20 flechas com ponta de sílex e estabilizadas com uma aleta de penas. O corpo de cobre do machados de cobre era feito através do método de cobre derretido que era vertido em moldes de pedra.

Independente da qualidade de seu arsenal e de esse tipo de caça ser ou não uma tarefa fácil, almoçava-se cabra montesa alpina, cervo e gamuzas. Também se podia comer um urso quando não se conseguia correr dele à tempo e quando, com um arremesso de sorte, conseguia-se gravar uma ou mais lanças no seu dorso, e sobreviver a isso. Além disso, se se andava pelas terras baixas, sempre se podia pegar alguns peixes com arpões.
O bom de se caçar um urso é que quase sempre que ele é morto a gente consegue sobreviver para matar outro e além disso e, além disso, consegue-se um monte de carne gordurosa e saborosa que dá para alimentar um monte de pré-históricos famintos e pele para gorros, sapatos e cabanas, além de um osso forte o suficiente para se fazer todo um estoque de agulhas, furadores e raspadores.
Se a fome era muita e se você tivesse guardado ante do inverno um pouco de lenha em sua caverna, um cheiro delicioso de carne assada invadia toda a montanha, pois era muito fácil fazer fogo em plena geleira usando um pedernal e um pedaço de pirita para jogar chispas sobre um punhado de fibras de um certo fungo que parasita as arvores da região e o foco obtido podia ser ampliado e mantido em uma tocha feita com diversos capins finos que se costuma levar no enbornal de couro. As fogueiras tanto serviam para cozinhar os alimentos, como para aquecer, iluminar e manter afastados animais ferozes como lobos e ursos que não estejam sendo assados.
Como a caça não era uma ciência exata e com o ainda não se tinha inventado a instituição da igraja para intermediar seus pedidos ao deuses, nem sempre se podia comer carne. O fato é que para sobreviver você devia aprender a viver exclusivamente do que a terra oferecia para ser colhido, como sementes, grãos, frutos, semi-frutos como as ciruelas do endrino, raízes, musgos, trigo silvestre amassado com pedra até se tornar um pó fino que podia ser armazenado por vários meses e depois ser transformado em uma pasta que, assada em carvão, resultava num tipo ancestral de pão
Na verdade andar pela montanha em busca de caça era o tipo de tarefa que só era delegada pelo clã aos seus membros mais robustos o que, naturalmente, parecia não ser mais o caso do velho Tarrant, que já vinha padecendo de pneumonia há alguns invernos. Na verdade, seu rosto já não mostrava a força de antes, seus músculos continuavam a definhar, sua visão já estava muito prejudicada pelo reflexo do sol na neve e seus joelhos, ou o que havia sobrado deles, já havia sido lesado muito e há muito pelo esforço de inúmeras subidas.O fato de ninguém nunca ter questionou sua presença em todas as expedições se devia ao fato de que ele conhecia todos os atalhos, cavernas e falhas da montanha.
Era uma figura estranha e bizarra, coberta com chaleco feito com um mosaico inusitado feito a partir de peles de viados e cabras. Anos de sofrimento, calos e experimentações tinham-no ensinado a criar um sapato cujo desenho permitia caminhar através da neve leve e ainda conseguiam ser impermeaveis. Feitos com uma bem curtida pele de urso como base para as para as plantas do pé, pele de cervo para as partes superiores e cortiça de árvore para a palmilha eram fechados com um cordão de couro trançado sobre o peito do pé. Para suavizar a aspereza do couro usava uma espécie ancestral de meia, formada por camadas feitas com uma erva suave pré-amassada com pedras e trançada com fibras vegetais. Os sapatos, se necessários, podiam também ser fixados a uma raqueta de madeira que permitia caminhar na neve mais funda.Não era uma vestimenta vistosa, mas era o que estava em moda naquele inverno do Calcolítico europeu.
Se para os mais robustos do clã andar pela montanha não era uma coisa comum e fácil, sendo que, mesmo os poucos que nela se aventuravam, não se atreviam a fazê-lo em grandes distancias. No mais das vezes um vivente podia passar toda a sua vida sem se distanciar não mais que 100 kilometros do lugar onde nasceu.Aliás, por que gastar uma energia obtida com extrema dificuldade se tudo o que voce tem para ver é apenas um estenso tapete branco e monotono.
Logo, o mais normal é você se manter por perto de sua caverna pois se o melhor lugar que você tem para passar a noite é uma caverna fria e escura cujo piso está atapetado com um guano viscoso e fétido e que ainda tem que ser dividida com morcegos é bom você agradecer às forças criadoras pois, a única alternativa de que você dispõe e passar a noite em uma cabana feita com peles da qual você pode ser expulso no meio da noite por um urso furioso e faminto.